Organização descarta ar-condicionado na Vila Olímpica, mas abre brecha para aluguel de aparelhos durante Jogos
Por Jogos Olímpicos mais verdes e sem “elefantes brancos” -grandes investimentos que ficam sem uso depois das competições-, Paris acumula polêmicas com decisões tomadas em nome de legado mais sustentável. O comitê organizador se viu obrigado a fazer adaptações para atender às necessidades da competição de alto rendimento.
A climatização da Vila Olímpica e Paralímpica é uma das principais controvérsias, bem como a construção de um novo centro aquático com capacidade insuficiente para abrigar as provas de natação. A despoluição do rio Sena e questões de segurança e acessibilidade também geram debate a menos de 50 dias do início das competições -a cerimônia de abertura está marcada para 26 de julho.
Em busca da meta de cortar pela metade a emissão de gases que geram o efeito estufa em relação a edições anteriores -em Londres-2012, por exemplo, foram emitidas 3,4 milhões de toneladas de dióxido de carbono-, Paris optou por não instalar ar-condicionado na Vila Olímpica.
A escolha não foi bem recebida por diversas delegações, inclusive a brasileira, preocupadas com as ondas de calor no auge do verão europeu, quando os termômetros beiram os 40ºC, e com os possíveis efeitos na performance dos competidores.
Pressionada, a organização dos Jogos abriu a possibilidade de locação de equipamentos de ar-condicionado, com o custo arcado pelos comitês olímpicos de cada país.
Segundo Georgina Grenon, diretora de Excelência Ambiental dos Jogos, será fornecida energia renovável para o funcionamento desses aparelhos temporários em uma tentativa de minimizar os impactos ambientais.
Na visão dos organizadores, contudo, a climatização não seria necessária, sob o argumento de que o local na região metropolitana de Paris foi projetado como um bairro capaz de amenizar as altas temperaturas.
Grenon citou o sistema de isolamento térmico, a disposição dos prédios em favorecimento à circulação de correntes de ar e a rede de refrigeração pelo solo com base no conceito de geotermia.
“Um cidadão comum que vai morar nesses apartamentos depois dos Jogos deverá ficar muito confortável”, afirmou ela à Folha de S.Paulo. “Tendo em vista os testes que fizemos, pensamos que deverá ser suficiente para o conforto dos atletas.”
“Se consideram que o que propomos não é suficiente, damos a eles a possibilidade de alugar equipamentos temporários para estarem confortáveis. Mas, para nós, não faz sentido climatizar um bairro todo por dois dias [de calor] por ano”, acrescentou.
A busca por um legado sustentável também está por trás da justificativa dada pelo comitê para a construção de um centro aquático pequeno demais para abrigar as provas de natação -o COI (Comitê Olímpico Internacional) exige ao menos 15 mil lugares para essa modalidade.
A única instalação permanente arquitetada para as Olimpíadas tem apenas um terço dessa capacidade. Com 5.000 assentos, sendo 3.000 temporários, o centro aquático receberá as disputas de saltos ornamentais e de nado artístico e a fase preliminar do polo aquático.
A natação, por sua vez, acabou sendo levada para o outro lado da grande Paris, na Arena La Défense, em Nanterre (nos arredores da capital francesa), onde foi construída uma instalação temporária.
De acordo com Sabine Baillarguet, diretora de planejamento da Metrópole da Grande Paris, a decisão de enxugar o tamanho do centro aquático foi tomada “muito cedo”, considerando o plano de construir um equipamento perene e adequado às limitações orçamentárias dos Jogos.
Em 2017, era estimado um custo de 90 milhões de euros (cerca de R$ 520 milhões na cotação atual). A estimativa subiu para 260 milhões de euros (R$ 1,5 bilhão) no ano seguinte. Ao término da obra, o valor apontado foi de 151 milhões de euros (R$ 870 milhões).
Laure Meriaud, uma das arquitetas responsáveis pelo projeto, contou que teve de repensar a proposta para reduzir custos. “Chegamos à conclusão de que, para gastar menos energia ou menos carbono, o mais simples seria não construir coisas”, disse.
Segundo ela, foi a partir disso que sua equipe observou que as provas de natação e saltos ornamentais não costumam ser disputadas no mesmo local.
“Comprimimos a estrutura fixa que estava prevista entre a piscina de saltos e a piscina de 50 m e a colocamos sobre a piscina de 50 m. Para o polo aquático e o nado artístico, precisamos apenas de 33 m. Assim, compactamos a estrutura em 10 m. Isso significa menos volume para construir, menos volume para aquecer e, acima de tudo, aproxima o público”, declarou.
Para Samuel Ducroquet, embaixador para Esportes da França, trata-se também de uma questão de sustentabilidade social. Ele defende o legado que ficará para o departamento de Saint-Denis, onde uma em cada duas crianças não sabe nadar, segundo as autoridades.
“Queremos lutar contra esses elefantes brancos, essas infraestruturas gigantescas, que são mal calibradas e não correspondem às expectativas”, afirmou.
Outro investimento polêmico da França é o trabalho de despoluição do Sena. A qualidade da água do rio -que receberá a maratona aquática e a prova de natação na disputa do triatlo- continua sendo uma incógnita na reta final da preparação.
Acabou adiado o aguardado mergulho de Anne Hidalgo, prefeita de Paris, que tenta pôr fim nas desconfianças da comunidade internacional. Agendado inicialmente para o período entre 23 e 30 de junho, agora está previsto para depois do segundo turno das eleições legislativas, marcado para 7 de julho.
A França investiu 1,4 bilhão de euros (cerca de R$ 8 bilhões) para despoluir o Sena. No ano passado, os eventos-teste das modalidades foram cancelados devido à qualidade da água. Até agora, Paris repete o enredo da promessa não cumprida de limpeza da baía de Guanabara nas Olimpíadas do Rio de Janeiro, em 2016.
O Sena também será palco da cerimônia de abertura das Olimpíadas -motivo de alerta em Paris em termos de segurança.
“As questões de segurança são uma prioridade e uma preocupação essencial para a França”, disse o embaixador para Esportes. “Quando se trata de Jogos, estamos nos preparando para enfrentar todos os tipos de ameaças.”
Serão cerca de 90 mil agentes designados para atuar diariamente. Do total, são 18 mil membros da iniciativa privada (24 mil em momentos de pico, como na cerimônia de abertura), 35 mil das forças de segurança pública (podendo subir a 45 mil) e 18 mil militares, sendo 10 mil deles voltados exclusivamente ao combate ao terrorismo.
Em abril, o presidente da França, Emmanuel Macron, confirmou que existe um plano B para a abertura em caso de ameaça terrorista. Já Hidalgo, em entrevista à Folha de S.Paulo, adotou um discurso divergente. “Não temos outro plano a não ser o A”, disse.
Segundo Ducroquet, possibilitar que 320 mil espectadores possam acompanhar o evento inaugural continua sendo o objetivo “número um”. “Como todo grande evento internacional, planos de contingência são elaborados e um número razoável de opções são oferecidas. Mas o objetivo é a cerimônia no Sena, que promete ser espetacular e histórica.”
As Olimpíadas também jogam luz sobre o antigo problema de acessibilidade no transporte público de Paris. Corredores tortuosos, escadas intermináveis e grandes vãos que separam os vagões e as plataformas dificultam o deslocamento de pessoas com mobilidade reduzida.
O embaixador para Esportes da França reconheceu as limitações da capital francesa nesse sentido, mas disse que foram adotadas algumas medidas para melhorar as condições, como um sistema de “hub”, com uma estação pivô, ônibus 100% acessíveis com rampas e mais de 1.000 táxis adicionais adaptados.
“Temos consciência de que a condição sempre pode ser melhorada. Mas também é prioritário permitir que a situação seja satisfatória para todas as pessoas com mobilidade reduzida e que todos possam desfrutar da festa.”