Em audiência, maioria destaca importância de imunizantes para evitar doenças; alguns deputados defendem liberdade da família para decidir.
Após circulação de vídeo do governador Romeu Zema se posicionando contra a exigência do cartão de vacinação para matrícula de crianças na escola, parlamentares, autoridades de vários órgãos e entidades, inclusive das Secretarias de Estado de Educação e de Saúde, defenderam a importância da imunização, por vários motivos. Por outro lado, alguns parlamentares concordaram que a família tem o direito de decidir sobre vacinar ou não as crianças e adolescentes.
Cidadãos a favor e contra a obrigatoriedade da vacina acompanharam o embate durante audiência pública da Comissão de Educação, Ciência e Tecnologia da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG).
Autoridade em infectologia, o médico infectologista Unaí Tupinambás, professor do Departamento de Clínica Médica da Faculdade de Medicina da UFMG lamentou o crescimento do movimento antivacina nos últimos anos, com consequente queda na cobertura principalmente após 2018. De acordo com dados apresentados por ele na audiência, a vacinação de BCG (contra a tuberculose), por exemplo, caiu de 99,72%, para 68,27%, em 2021.
A cobertura da imunização contra poliomelite neste período reduziu de 89,54% para 69,10%, e da vacina meningococo C, saiu de 88,49% para 70,19%. Segundo o especialista, o Programa Nacional de Imunizações (PNI) é referência mundial com vacinas para mais de 40 doenças potencialmente graves, mas teria sido desarticulado pelo governo do ex-presidente Bolsonaro.
“Colocaram a vida das crianças em risco”, criticou o especialista, defensor de punição às autoridades que desestimulem a vacinação. A partir de 2023, o governo federal, segundo Unaí Tupinambás, retomou medidas que já estão mostrando aumento das coberturas.
Lourdes Machado, presidenta do Conselho Estadual de Saúde, informou que a “fala irresponsável do governador”, que estimulou a negligência das famílias, provocou uma nota de repúdio do CES, que também pediu a retratação de Romeu Zema.
Rafaella Queiroz, pesquisadora da Fiocruz Minas, lembrou que a cobertura vacinal em 90% reduz significativamente os casos das doenças, de acordo com monitoramento da Fiocruz Minas da vacinação contra a covid-19. Por fim, ela confirmou a segurança da vacina.
“Vacinar é mais que ação individual; não é só para o meu filho, é um bem para a coletividade”
Rafaella Queiroz
pesquisadora da Fiocruz Minas
Servidores de Secretarias de Estado defendem vacinas
A despeito da fala do governador, dirigentes de órgãos estaduais convidados para a audiência pública afirmaram que parcerias entre as secretarias de Educação (SEE) e de Saúde (SES) buscam ampliar a cobertura de vacinação em Minas.
A diretora de Vigilância de Doenças Transmissíveis e Imunização da SES, Marcela Lencine Ferraz, relatou projetos e medidas para elevar a aplicação dos imunizantes como, por exemplo, campanhas em ambientes escolares. Entre as iniciativas, citou o programa Vacina Mais Minas que atua em seis frentes diferentes, incluindo vacinação em escolas e captação da população sem imunização.
Marcela Ferraz salientou observações quanto a uma tendência de declínio de vacinação desde 2015 e o risco de ressurgimento de doenças preveníveis por vacina. “É indiscutível que a vacinação é uma das maiores vitórias da saúde pública”, defendeu. Lembrou ainda a recomendação da Organização Mundial de Saúde (OMS) para cobertura de 95% de crianças e adolescentes, de modo a garantir maior eficácia e segurança da população.
Coordenadora de Temáticas Especiais e Transversalidade da Secretaria de Educação, Rosalia Aparecida Martins Diniz, explicou que a falta de apresentação do cartão de vacina não impede a matrícula de crianças nas escolas do Estado. Mas as instituições de ensino orientam os pais sobre a importância das vacinas e recomendam a providenciar a imunização.
A deputada Bella Gonçalves (Psol) ressaltou que a fala das representantes mostra o empenho dos servidores estaduais pela vacinação.
A médica Stela Araújo, do Coletivo Mães Pró-Vacina, disse que o cartão de vacinação deve fazer parte da documentação necessária para a matrícula, pois serve como marcador de vulnerabilidade social, e não simplesmente para averiguar se criança tomou ou não a vacina. Ela acrescentou que estudo da Unicef aponta que crianças de famílias pobres (de áreas rurais remotas, favelas e regiões de conflito) têm menos acesso a vacinação, o que as torna mais vulneráveis a doenças.
A defensora pública Daniele Bellettato, coordenadora de Promoção e Defesa dos Direitos das Crianças e Adolescentes, relatou que a Defensoria recomendou ao governo de Minas que o cartão de vacinação fosse solicitado na matrícula dos estudantes, o que foi aceito.
Ela citou artigo do Estatuto da Criança e do Adolescente que coloca a vacinação como responsabilidade não só da família, mas da sociedade e do Estado. “Se isso não é feito, é qualificado como negligência”, apontou.
O coordenador do Centro de Apoio Operacional às Promotorias de Justiça de Defesa da Saúde (CAO-Saúde), Luciano Moreira de Oliveira, afirmou que o Ministério Público (MP) defende a obrigatoriedade da vacinação que esteja prevista no PNI ou indicada pela União e Estados.
Deputados se revezam entre críticas e defesa de Zema e da vacinação
Deputados da oposição defenderam a obrigatoriedade dos pais garantirem a vacinação de crianças e adolescentes e cobraram responsabilização do governador por sua fala de desestímulo. Parlamentares da base argumentaram pelo que consideram liberdade de escolha da família.
A presidenta da Comissão, Beatriz Cerqueira, Doutor Jean Freire, Leleco Pimentel e Macaé Evaristo, os quatro do PT; Bella Gonçalves (Psol), Lohanna e Professor Cleiton, ambos do PV, afirmaram que vacinar crianças e adolescentes não é questão de opinião e, sim, de assegurar o direito à imunização e defender toda a sociedade. “A obrigatoriedade da vacina é lei”, acentuou Beatriz Cerqueira, que entrou com ação para apurar a atitude do chefe do Executivo.
Doutor Jean Freire (PT) afirmou ser favorável à troca de saberes, mas desde que eles sejam direcionados à vida. “Não me importa o partido político de cada pessoa, mas se ela defende ou não a vida”, disse ele, criticando a atuação daqueles que prestam desserviço à humanidade, negando o valor das vacinas.
“Em 2002, tínhamos mais de 80% de imunização; em 2022, o índice caiu para cerca de 60%”
Macaé Evaristo
Dep. Macaé Evaristo
Deputada
Macaé Evaristo considerou “irresponsável” a atitude de alguns pol íticos mineiros que relativizam o papel da vacinas, assim como Leleco Pimentel. “Alguns preferiram trazer o debate moral, isso não pode substituir o ambiente da ciência, da luz”, sustentou o deputado.
Professor Cleiton desafiou o governador a publicar algum ato administrativo ou decreto para dar embasamento ao seu pronunciamento. “Só assim o Ministério Público pode agir”. Lohanna lembrou que os cidadãos, por viver em sociedade, estão submetidos às leis. “Essa não é uma discussão sobre liberdade ou direitos”.
Já Caporezzo, Bruno Engler e Sargento Rodrigues, todos do PL, acreditam que os familiares podem escolher imunizar ou não as crianças. O primeiro citou o artigo 15 do Código Civil que define que ninguém pode se submeter a tratamento médico que coloque em risco a própria vida. Ele disse que a vacina da Covid-19 não passou pelo teste duplo cego, mas foi rebatido por Unaí Tupinambás.
Na opinião de Sargento Rodrigues, algumas vacinas são feitas às pressas para atender interesses da indústria farmacêutica. O deputado pediu a presidenta Beatriz Cerqueira que respeitasse o direito de fala de parlamentares que se posicionavam contra a vacina, garantindo o direito ao contraditório, previsto no Regimento Interno.
“Os pais têm o direito de decidirem sobre a pertinência de aplicar ou não a vacina em seus filhos”
Sargento Rodrigues
Dep. Sargento Rodrigues
A deputada Chiara Biondini (PP) defendeu a fala do governador, afirmando que ele foi claro ao dizer que não vai condicionar a matrícula nas escolas à vacinação. Para ela, Zema merece os parabéns por informar que a vacinação não é obrigatória.
Bruno Engler citou a Lei 23.787, de 2021, que assegura obrigatoriedade do Estado em fornecer vacina contra a Covid, mas garante que a imunização é facultativa. “A criança pertence à família, é discussão sobre liberdade, respeitem a liberdade da família”.